quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Carlos Lombardi pensa em ir para a Record, mas diz que a emissora é "meia boca"

Ele é a peça mais importante na indústria das telenovelas, mas não tem o charme dos atores nem o poder dos diretores. Ele é, simplesmente, o Autor. E, a julgar por um livro recém-lançado, sofre horrores: está sempre correndo contra o tempo, é injustiçado pela crítica e vê, sem poder fazer nada, seus textos serem alterados por diretores, novelas fracassarem por culpa de elencos mal escalados e a cúpula da emissora censurar as suas cenas mais ousadas.
Lançado no meio de dezembro, “A Seguir, Cenas do Próximo Capítulo” (Panda Books, 284 págs., R$ 45,90) apresenta entrevistas com dez autores de telenovelas para montar uma painel das angústias, vaidades e sofrimentos por que passam figuras como Benedito Ruy Barbosa, Silvio de Abreu, Gilberto Braga e Aguinaldo Silva.
Bem conduzidas pelos jornalistas André Bernardo e Cintia Lopes, as entrevistas são também um canal divertidíssimo para ver a troca de farpas entre os próprios autores, bem como para observar as maldades que disparam contra os seus vários desafetos.
A ideia de André Bernardo e Cintia Lopes é semelhante à de “Autores – Histórias da Teledramaturgia”, lançado no final de 2008 pelo Projeto Memória da Rede Globo. Em dois volumes, com 482 páginas cada, o livro publicado pela Editora Globo traz os depoimentos de 16 autores de novelas.
O livro de André e Cintia, no entanto, corrige uma falha grave de “Autores”, que não traz entrevista com Lauro César Muniz, autor de clássicos como “Casarão” e “Salvador da Pátria”, desde 2005 trabalhando na Record.
De todas as entrevistas de “A Seguir, Cenas do Próximo Capítulo”, a mais surpreendente é a de Carlos Lombardi. Autor de “Vereda Tropical”, “Uga Uga”, “Kubanacan”, entre outras comédias, Lombardi conta que pensa em trocar a Globo pela Record ao final de seu contrato com a emissora carioca. Não pode sair antes porque “as multas são astronômicas, né?”.
Indagado pelos jornalistas se “não o incomoda trabalhar numa emissora ligada à Igreja Universal do Reino de Deus”, Lombardi responde: “Você sabe que nunca me incomodei com quem o dr. Roberto (Marinho) apoiava ou deixava de apoiar politicamente? Nunca questionei nada porque vivo disso. Da mesma forma, também não me incomoda em nada essa história de Igreja Universal. Trabalhar, para mim, é sustentar meus filhos. É o meu trabalho que paga o nosso plano de saúde.”
Lombardi observa, porém, que ainda há poucas opções de trabalho para um autor de novelas no Brasil. “Pode até ser que, futuramente, a Record vire uma opção legal, mas ainda é meia-boca”.
Em outro trecho da entrevista, Lombardi faz uma análise sobre a origem social dos atores da Globo. Segundo ele, “quem nasceu em Ipanema tem mais chance do que quem nasceu na Tijuca”. Em “Pé na Jaca”, conta, houve “pouquíssimos” problemas de relacionamento no elenco, segundo ele, por causa da origem dos principais atores:
“O Murilo (Benício) e a Juliana (Paes) são de Niterói, o (Marcos) Pasquim é da Freguesia do Ó, a Fernanda Lima é gaúcha e a Deborah Secco não veio de família rica. Ou seja, nenhum deles tem pedigree.”
Ainda desenvolvendo esse raciocínio, Lombardi elogia a atriz Daniele Winits, mas lamenta que ela não seja tão reconhecida como Malu Mader. A diferença entre elas, explica, é que Mader estudou no Tablado, uma conhecida escola de teatro no Jardim Botânico, e Winits não. “Tecnicamente, fico com a Dani cinco vezes antes de ficar com a Malu”.
Em outro trecho da entrevista, Lombardi critica a atriz Andréa Beltrão, que trabalhou em “Vira-lata”, a novela que classifica como o seu maior fracasso. “A Andréa Beltrão foi chata pra caramba! Ela não é uma estrela no sentido de empatia popular. É uma brilhante atriz, de mau humor. E põe mau humor nisso”.
Lombardi também reclama de diretores que alteram os textos dos autores. Sem citar diretamente Wolf Maya, com quem teve uma briga pública, o autor afirma: “As brigas acontecem quando o diretor vira para você e diz: ‘Mas tem que fazer assim’. Nem o Boni falava assim comigo.”
Por fim, Lombardi reclama dos críticos, que não entendem as suas novelas, segundo ele. “Até hoje, não me esqueço do que o Boni me dizia: ‘Meu filho, quem paga o seu salário é a Globo. Não é a Folha de S.Paulo nem a Editora Abril’. Depois disso, aprendi a desencanar.”
Lombardi poupa apenas a Globo, na entrevista. Ao relatar os cortes que foi obrigado a fazer na novela “Pé na Jaca”, o autor relata que a emissora vetou uma cena em que um irmão fazia respiração boca a boca em outro, no intuito de salvá-lo. “Dá para acreditar? Mas não culpo a Globo por isso. ‘Pé na Jaca’ foi a minha novela mais cortada até hoje. Mas é o que eu digo: boa intenção e falta de cultura, juntas, são um perigo!”

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