Paula sofreu um grave acidente e ficou em coma durante 22 dias. Uma infecção hospitalar tornou sua recuperação ainda mais improvável. Hoje ela comemora a vitória: “Foi como ganhar na Mega Sena”
Para agravar o quadro, há pouquíssimo interesse da indústria farmacêutica no desenvolvimento de novos antibióticos. A aprovação de novos agentes antibacterianos pela FDA, a agência que regula medicamentos nos EUA, caiu 56% nas últimas duas décadas. As empresas estão mais interessadas em criar remédios que devem ser consumidos por toda a vida, como os antidepressivos e as drogas contra o colesterol. O custo total da resistência aos antibióticos para a sociedade americana é de US$ 5 bilhões a cada ano. Tratar patógenos resistentes freqüentemente requer drogas mais caras e o prolongamento da estadia no hospital. A cada ano, cerca de 2 milhões de pessoas adquirem infecções bacterianas nos hospitais americanos. Noventa mil morrem. Cerca de 70% das infecções são resistentes a pelo menos uma droga.
Não espere encontrar dados tão objetivos no Brasil. Infecção hospitalar ainda é um assunto tabu. Nem autoridades sanitárias nem microbiologistas ficam à vontade para falar sobre o tema. Faltam informações básicas. O Ministério da Saúde não tem uma estimativa sobre o número de casos ocorridos no país anualmente. Nem a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). “Não existe no país uma definição de critérios do que seja infecção hospitalar. É preciso melhorar esse sistema”, diz Heder Murari Borba, gerente-geral da área de tecnologia em serviços de saúde da Anvisa.
Os surtos recentes de infecção por micobactéria servem de amostra do que poderia ocorrer no país caso uma grave infecção como a MRSA atingisse a população brasileira. Mais de 2 mil pessoas foram infectadas pela Mycobacterium massiliensis nos últimos meses em cirurgias estéticas ou feitas por videolaparoscopia. O problema foi provocado por cânulas infectadas. Não houve registro de mortes, mas as vítimas sofreram graves feridas pós-operatórias. A mesma cepa da bactéria já afetou pacientes nos seguintes Estados: Pará, Goiás, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Rio Grande do Sul e Paraná. “Parece ser o maior surto já ocorrido no mundo, mas ainda não sabemos qual foi a causa”, diz Borba, da Anvisa. Embora o problema esteja ocorrendo há vários meses, apenas a partir da próxima semana a Anvisa vai passar a exigir a notificação compulsória dos casos. A agência também editará uma norma técnica para padronizar o tratamento e evitar o uso indiscriminado de antibióticos contra essa cepa.
Há pouca informação também sobre o controle das demais infecções nos hospitais. Eles são obrigados por lei a manter comissões de prevenção de infecção hospitalar. Nem todas as instituições mantêm esses grupos funcionando adequadamente. Nem os hospitais mais conceituados, que dispõem de comissões atuantes e competentes, revelam o número de casos de infecção hospitalar que enfrentam a cada ano. Os hospitais Sírio-Libanês e Albert Einstein, em São Paulo, não aceitaram divulgar esses dados. Ambos alegam que os clientes que fizerem essa pergunta receberão a informação. Portanto, da próxima vez que precisar internar algum familiar em um hospital, faça o teste da transparência. “Conhecer esse índice é um direito do paciente”, diz Borba.
Infecções por bactérias resistentes existem a todo momento e até nos melhores hospitais. “Algumas instituições informam que têm taxa zero de infecção hospitalar”, diz Denise Brandão de Assis, diretora-técnica da divisão de infecção hospitalar do Centro de Vigilância Epidemiológica do Estado de São Paulo. “Isso é ruim. É sinal de que o hospital não está investigando direito. Se investigar corretamente, vai encontrar infecção.”