domingo, 27 de setembro de 2009

Uma entrevista da revista Época com Glória Perez


- O que faz quando uma novela termina? Já começa a pensar em outra?
Claro que nao! só penso em descansar, em cuidar da minha vida, sem nem pensar nisso! e a um determinado momento algum tema captura você, e aí voce sabe que começou a gestaçao de uma proxima novela. Acredito nisso: a gente nao escolhe os temas, eles nos escolhem

- Sempre que uma nova novela sua começa, algumas pessoas dizem a mesma coisa: "que mistura, que confusão", etc. Mas depois é sempre o mesmo desfecho: o sucesso vem e público que crítica, adoram. Como você lida com essa crítica inicial (e mesmo com as que não mudam)?
Chega a ser bandeiroso, nao é? uma verdadeira militancia! Você precisa ver o que eles diziam quando fiz Explode Coração: tratavam a internet como uma invenção de lunática. O que me espantou mais nao foi nem isso, foi o fato de terem abominado a ideia da rede! como eu lido com esse tipo de "critica"? rio e guardo para os meus netos rirem mais tarde!

- Quando você descobriu o linfoma, já estava escrevendo a novela? Em algum momento achou que não conseguiria continuar?
Foi por acaso. Percebi o aumento de tamanho da tireóide e o médico recomendou a retirada. Era uma cirurgia muito simples, a recuperaçao se dava em 24 horas. O que ninguem esperava é que houvesse um linfona enclapsurado nela. É claro que me assustei diante da palavra "maligno", e da possibilidade da quimioterapia. Pra minha geraçao a palavra câncer ainda tem o peso de uma condenaçao, e a quimioterapia de uma sessao de tortura. Quando cheguei ao dr Daniel Tabak, nem precisei falar, ele adivinhou a primeira pergunta:-vc quer saber quanto tempo vai viver, nao é? com o que vc tem, vai viver tanto tempo quanto viveria se não tivesse nada! Entao eu descrevi minha rotina de trabalho, e perguntei se teria condiçoes de continuar escrevendo a novela. Ele respondeu que nao só eu podia continuar, como era essencial, para o sucesso do tratamento, que continuasse, e mantivesse a mesma rotina. A partir dai, entrei em contato com muitas pessoas que enfrentaram a mesma situaçao sem abrir mao de suas ocupaçoes. Pensei: se foi possivel pra elas, haverá de ser possivel pra mim tambem! E graças a Deus foi!

- Como foi sua rotina de tratamento e em que estágio você está agora?
Fiz 6 aplicaçoes, e fiquei no grupo dos que não tem nenhuma reação colateral maior, mais extensa. É claro que durante uma quimio você conduz seu trabalho com mais dificuldade. Mas conduz. É o que importa. Escrevia meus capitulos durante as sessões, e isso nao era nada incomum: as outras pessoas ali tambem resolviam seus problemas pessoais e profissionais enquanto tomavam suas aplicações.

- Você tem crença religiosa? Isso a ajudou quando descobriu o linfoma?
Fui criada entre uma avó profundamente religiosa e um avô anarquista. Fiquei no meio. Diria que tenho um comportamento cristão.

- Você acredita na ideia de que o câncer é uma doença psicossomática?
Não faço ideia. Não perguntei isso ao Dr. Daniel.

- Você perdeu cabelos? Isso e outros efeitos colaterais do tratamento mexeram com sua vaidade?
Isso foi o de menos. Cabelos nascem de novo. Quando o que está em jogo é sua cabeça você não pensa em cabelos!

- Glória Perez virou referência entre as famílias de vítimas da violência. Várias vezes entrevistei pessoas que foram até você e com quem você ficou ligada, como a Cleyde, mãe da Gabriela (uma grande figura que, infelizmente, se foi) e elas falavam muito em você, na sua força. Estar com essas pessoas é bom para você ou apenas faz sua dor aumentar, lembrando-se de sua filha?
Não fujo da minha realidade. Pela minha história de vida me tornei referencia para que outras maes resistam e lutem por justiça, e estou sempre disponivel para ouvi-las e participar de seus movimentos. A ideia da campanha de assinaturas, que utilizou um dispositivo da constituiçao para conseguir a primeira emenda popular da historia do pais, (a inclusao do homicidio qualificado entre os crimes hediondos), foi uma semente que deu muitos frutos. Apontou um caminho, uma direçao, um meio para que a sociedade civil possa fazer mudanças, que tem sido utilizado por muitas outras maes depois de mim. O problema está no pouco respeito que nossas autoridades demonstram pela vontade da sociedade civil. A Cleyde conseguiu juntar as assinaturas tambem, levar para o congresso, e até agora nao vimos a emenda popular que deveria ter nascido dali!!!!!!

- Li recentemente sobre assassinos que te sugeriram uma "senha" ou coisa parecida para matarem o assassino de Daniella na cadeia. É verdade? Em algum momento isso lhe pareceu tentador? A morte seria o melhor desfecho para ele?
Nunca me pareceu tentador participar de assassinatos.

- A outra assassina, Paula Thomaz (pelo que sei, posso estar errada), ainda mora no Rio de Janeiro. Você teme cruzar com ela nas ruas, ou com os pais dela. Teria alguma reação?
Espero que Deus me poupe de mais essa!

- Você tem algum tipo de "comunicação" com seus filhos falecidos? Não digo comunicação espiritual, mas outras coisas: você conversa com eles, há presença deles no seu dia-a-dia?
Há a presença deles na minha alma. Um filho não se apaga nunca. Faz parte de você, estando ou não estando mais nesse mundo!

- Já pensou em escrever mais, para o teatro ou para o cinema
Penso muito, quero muito e está em tempo de me dedicar a outros projetos

- Você diria que suas novelas têm uma mensagem em comum? Qual seria? O que você sempre está buscando ao criá-las (além do entretenimento)?
Sempre achei que se um folhetim tem a capacidade de fazer com que um pais inteiro discuta com quem vai casar a mocinha, seria ótimo usar essa força para beneficiar pessoas, por isso introduzi, nas novelas, essas campanhas que hoje se institucionalizaram sob o rótulo de merchandising social. A primeira grande campanha que fiz foi em Carmem, na Manchete, por volta de 86/87. Esclarecia sobre a AIDS e combatia o preconceito que cercava os que tinham adquirido o virus. O porta-voz da campanha era o Betinho.

- O que as diversas culturas em que você sempre mergulha para fazer seu trabalho te ensinam?
Que nosso umbigo não é a janela mais ampla pra se enxergar o mundo! Que a minha maneira de viver, de ver as coisas, é só mais uma!

- Que cultura você gostaria de mostrar ao Brasil em uma futura novela?
Não tenho nada em mente e nem necessariamente me atenho a retratar culturas. Essa é uma lenda recente, só porque, antes falei dos muçulmanos em O Clone. Minhas outras novelas nao tem nada a ver com culturas diferentes. Pelo contrário, o que há em comum entre elas é que falam dos novos conflitos humanos, introduzidos pelo desenvolvimento de novas tecnologias. Conflitos que as gerações anteriores a nós não conheceram, e que temos que aprender a viver sem nenhuma referencia no passado (como barriga de aluguel, transplante de coraçao, etc etc) Não tenho fórmulas, aliás tenho pavor de fórmulas. Se você me perguntar o que meus trabalhos tem em comum eu te diria que é um empenho em trazer para o público alguma coisa diferente!

- Você tem temperamento centralizador ao escrever? Costuma escrever quase sempre sem colaboradores?
Nunca escrevi com colaboradores. Não porque seja centralizadora, simplesmente porque não sei dividir fantasia

-Você acha que sua vida daria uma novela?
A vida de ninguém merece ser contada como uma novela. Novela é folhetim. E como folhetim, deve privilegiar sempre o sensacional, o que seria um desrespeito a qualquer vida.

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