quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Uma entrevista com Bosco Brasil

O dramaturgo Bosco Brasil nasceu em Sorocaba e começou sua vida profissional em São Paulo, onde a novela é ambientada. No centro da capital paulista, viveu seus dias como office-boy antes de começar a escrever para o teatro e para a TV. São mais de 30 peças de sua autoria e sete novelas que tiveram sua colaboração, como ‘Anjo Mau’, ‘Torre de Babel’ e ‘Coração de Estudante’. Na Rede Globo, é a primeira vez que assina uma obra, sob a supervisão de Aguinaldo Silva.
Em mais de 20 anos de carreira, Bosco também já atuou como diretor teatral e roteirista. Ao longo de sua trajetória, recebeu diversos prêmios como Shell e Molière, nos quais foi eleito o melhor autor. Em seu currículo estão produções como ‘Budro’ (premiada em 1994), ‘Atos e Omissões’, ‘Blitz’, ‘Medo de Chuva’, ‘à Putanesca’, ‘100 Gramas de Dentes’, ‘Corações Encaixotados’, ‘Cheiro de Chuva’ e ‘Novas Diretrizes em Tempos de Paz’, que ganhou uma versão para o cinema em 2009.
Bosco Brasil declara ser fã tanto da comédia quanto do drama, principalmente quando esses gêneros conversam entre si, como será visto em ‘Tempos Modernos’. Mas ele explica que não se trata de uma tragicomédia, mas de histórias trágicas vividas por personagens cômicos.
A paixão pelo teatro nasceu quando Bosco tinha apenas 13 anos, após ter assistido à montagem de Antígona. Na década de 80 formou-se em Teoria do Teatro – Dramaturgia e Crítica, pela Escola de Artes Cênicas da Universidade de São Paulo.

Qual foi a principal motivação para escrever Tempos Modernos?

Bosco Brasil: Há uns três anos, essa história vem tomando forma. Primeiro, pensei na nossa interação com a tecnologia, que rende situações bem engraçadas. Às vezes parece que essa tecnologia ganha vida própria, só para debochar da nossa cara. Outra questão que me incomoda muito é essa moda de vender uma ilusão chamada segurança com risco zero, coisa que definitivamente não existe. Hoje pagamos para ser vigiados. Foi desta forma que cheguei ao universo dos edifícios inteligentes. Depois, faltava apenas achar um lugar onde encaixar isso tudo. Escolhi a região pela qual que tenho mais carinho, o centro antigo de São Paulo, lugar que conheço bastante e que tem uma riqueza humana incrível.

Por que uma história que se passa no centro de São Paulo?
Bosco Brasil: Se você quer saber onde está o seu tesouro, você precisa ir aonde o seu coração te leva. O meu está no centro velho de São Paulo. Até o século 20, a cidade se restringia ao triângulo onde a novela se passará. Não é incrível? O interessante dali são as pessoas, os personagens e os relacionamentos. E é nesta região onde todos se encontram e se unem pelas diferenças. Essa população é livre, vive no anonimato e tem sua identidade guardada neste ponto da cidade.
Eu tenho uma visão mítica do centro, onde as pessoas podem se reunir. Mas hoje em dia sei que o local virou uma periferia da cidade. A vontade de ter um centro revitalizado é um sentimento que existe no paulistano de maneira geral. Percebo que há uma intenção de ocupar o lugar culturalmente e transformar a região num núcleo de atividades como se fosse uma praça de artes. Na novela, vamos poder acelerar isso.

Como você desenha os seus personagens?
Bosco Brasil: Em ‘Tempos Modernos’ os personagens agem no calor da paixão. As situações são trágicas e os personagens, cômicos, pois o bom humor é o único recurso que eles têm para sobreviver. Claro, sem cair no exagero. Essas figuras não compreendem a dimensão do que se passa a seu redor, como alguém com uma personalidade trágica faria. Mas esses personagens compreendem o que se passa em seus corações, em seus sentimentos. Essa característica tão sanguínea permite que os erros humanos sejam cometidos, pois ninguém age com a razão, apenas com o coração. Todos reagem emocionalmente, de forma muito rápida, fazendo o bem ou o mal. E isso é percebido nos diálogos.

Quem é o Frank?

Bosco Brasil: É um computador temperamental, amalucado, que conta piadas e meias verdades. Ele quer “ganhar” da humanidade. É uma grande brincadeira da novela. O Frank é o comentarista da cena e o público vai poder se enxergar nele. É o ponto de vista do telespectador, quase um jogo metalinguístico, permitindo que o público entenda as razões concretas dos personagens. O Frank é um convite ao telespectador para interagir e interferir nas histórias.

Qual é o grande desafio em escrever uma história com características de comédia?

Bosco Brasil: Esta é uma comédia livre, de invenção, sem extrapolar os níveis de absurdo. Gosto de mexer com os papéis sociais que estão em jogo, principalmente com o masculino.

Quem é esse novo homem que precisa lidar com uma mulher que ganha cada vez mais proeminência na sociedade?
Em personagens como o de Zeca (Thiago Rodrigues) e Portinho (Felipe Camargo), vamos ver certas inversões. E isso também obriga as mulheres a um exercício interessante, que é conviver com o antigo modelo feminino. Isso com certeza causará muitas risadas.

Você é fã de tecnologia ou é daqueles que perde feio na disputa com aparelhos eletrônicos?

Bosco Brasil: Fico completamente enrolado com essas coisas, a verdade é essa! Sou o oposto do meu irmão mais velho, um homem totalmente tecnológico. Eu sempre tive dificuldades em ler manuais e descobri que não sou o único. É claro que a tecnologia veio para nos ajudar. Mas a realidade é que ela cria uma série de necessidades novas, com as quais não estávamos habituados.

Você é um autor com grande experiência no teatro. Como foi o encontro com a TV?
Bosco Brasil: A minha carreira começa no teatro. É uma grande paixão, e será para toda a vida. Iniciei como ator em 1977, mas eu sempre quis ser autor. Então decidi estudar artes cênicas com especialização em dramaturgia. Neste período, nunca deixei de trabalhar nos palcos. Fiz de tudo: atuação, direção, iluminação e até administração de sala de teatro. Vieram as oportunidades para trabalhar como autor, e, depois de um tempo, fui para o rádio com a função de escrever radionovelas. O primeiro contato que tive com a TV foi um convite que recebi para a adaptação de uma novela. Foi apenas o ponto de partida para colaborar em diversas obras. Eu tive sorte de trabalhar com autores maravilhosos como Walter George Durst, Maria Adelaide Amaral, Alcides Nogueira e Silvio de Abreu, que me ensinou muitas coisas, entre elas, a estruturar uma novela. Eu costumo brincar que fiz a minha formação básica com o Durst, a faculdade com o Silvio e, agora, a pós-graduação está sendo com o Aguinaldo, um autor que sempre admirei pelo jeito tranqüilo como trabalha a realidade.

Há alguma trama que seja baseada em história pessoal?
Bosco Brasil: É claro que a novela traz um pouco da minha memória emotiva. As lembranças de São Paulo estão muito vivas em mim. Foi no “Centrão”, como é conhecido o centro de velho desta cidade, onde cresci, estudei e me tornei office-boy. Inclusive escrevi um livro, “Office-boy em apuros”, que relata um pouco deste período. Uma das surpresas da novela é a entrada de um personagem, um menino que perdeu o pai muito cedo. Na trama, ele deve ter uns 12 anos, a mesma idade que eu tinha quando o meu pai faleceu. É claro que é uma realidade que eu conheço bastante.

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