domingo, 26 de julho de 2009

Namastê, Brasil- Gloria Perez abre a casa, fala de vida, morte e rebate críticas

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A pouco mais de um mês do fim de mais um sucesso, Gloria Perez divide sua rotina entre os desfechos de ‘Caminho das Índias’, a quimioterapia que a fez adotar perucas e as saídas às ruas para buscar inspiração e renovar as energias.

Pontualmente às cinco da tarde, Gloria Perez abre a porta de seu apartamento, no Posto 6 de Copacabana, com um largo sorriso no rosto dando as boas-vindas. Produzida, bem-humorada e com brilho nos olhos, a autora dos 45 pontos no Ibope, hoje a maior audiência da televisão brasileira, me
mostra seu escritório. Ali é o local de trabalho (ela mora no mesmo bairro, perto dali). Gloria me convida para ir à varanda, onde a vista do Forte e, lógico,
do mar azul de Copa, são deslumbrantes. Oferece um cafezinho, preparado na hora por pela mesma, e o papo flui. Gloria, do lado de dentro da cozinha; eu, do lado de fora. Ficamos separados por uma bancada, onde fica um laptop. Numa mesa de vidro, uma imensa tela de computador exibe a foto de Daniela Perez. A TV permanece ligada o tempo inteiro. No computador portátil, Gloria Perez escreve sozinha, diariamente — e em pé! — 32 páginas da trama que mostra para o Brasil uma cultura desconhecida, encantadora e cheia de contrastes.
Durante mais de uma hora de conversa, falamos de tudo um pouco. Com direito a muitas gargalhadas e pausas quase dramáticas. Essa espécie de sacerdotisa do horário nobre me mostrou um lado seu que poucos conhecem: o da avó orgulhosa de seus netos (presentes num porta-retratos) até a mulher que namora, sim! Esperava encontrar a escritora de folhetins vitoriosos passando por mais uma dificuldade em sua vida. Afinal, Gloria faz quimioterapia para combater um linfoma, já retirado da tireoide. Me surpreendi, porém, ao ver uma mulher cheia de vida e disposição, que coloca as pernas em cima da mesa, tamanha a descontração. É um pouco desta brasileira que a Canal Extra mostra a partir de agora. Saiba como pensa e vive Gloria Perez, a autora de “Caminho das Índias”, cuja própria vida valeria uma novela.

O tema ‘Índia’
“Estive com a Globo lá em Cannes, na França, durante a MIPCOM (feira internacional onde TVs do mundo todo apresentam seus produtos) e houve uma festa indiana. Quando vi aquelas mesas, aquelas roupas, fiquei encantada com a mistura que tinha ali na minha frente, do milenar com o futuro. Então, pensei: ‘Tenho que falar disso’”.

Medidor do Ibope
“Tenho um em casa. É claro que a maquininha do Ibope me emociona, mas já não tem o mesmo impacto de antes. A tendência hoje é que o controle esteja nas mãos do telespectador. Ele determina o que e quando vai assistir. Isso muda tudo. A medição tradicional já não responde a essas mudanças. Hoje, o impacto da repercussão é mais forte. O grande barato é andar pelas ruas e ouvir as pessoas falando as expressões da novela, ver as vitrines cheias de moda indiana...”.

Andando pelas ruas
“Não dá para sair o dia inteiro quando se está com uma novela, mas sinto muita necessidade desse contato com a vida. Para mim, é muito difícil fazer uma novela me mantendo isolada. Ando pelas ruas sem pensar na trama, em pesquisa, em nada. Isso me energiza, eu preciso disso, do contato com as pessoas, com a vida. Ouvir alguém contar uma história, um problema, mesmo que não tenha nada a ver com a novela. Isso é vida”.

Namoro, sim!
“Lógico que eu namoro! No momento, estou só. Você acha que alguém namora fazendo novela? É difícil. Não precisa interromper, mas tem que ser um romance muito firme para durar enquanto você está escrevendo um folhetim, porque tem que acertar o relógio pela sua rotina. E não é nada fácil”.

Vida noturna
“Eu gosto de dançar na Gafieira Estudantina, saio para jantar com meus amigos, tenho uma vida bem movimentada. No entanto, não vou para onde está
o holofote, porque meu trabalho já é debaixo do holofote. Gosto de viver uma vida mais discreta”.

Com cara de casa
“Meu escritório é meu lugar, onde tenho tudo, onde tenho minha pesquisa. Em casa, tem o telefone tocando, tem o cachorro que não gosta da novela... Ele sabe desligar o computador com a pata! É muito estressante”.

Copacabana
“Sou uma pessoa de cidade grande. Vim do mato, mas sou uma pessoa da cidade. Gosto disso, desse burburinho. E Copacabana é uma síntese do Rio, gosto dessa diversidade daqui, gosto de andar de bicicleta, ir à praia. Neste momento, não posso pegar sol (por causa da quiomioterapia), mas, quando posso, Copacabana é perfeito. E o melhor é que não tem fotógrafo nenhum, porque eles não ficam em Copa. Agora, se você for para Ipanema, lá é cheio de paparazzi”.

Críticas
"Não me atenho a críticas porque acho que a televisão não produziu uma crítica à altura dela. Nós só tivemos um crítico de TV, que foi o Arthur da Távola, sabe por quê? Porque era um homem que gostava de novelas. Tem gente que tem coluna de TV, mas não gosta de novela. Como diz o Lombardi (Carlos Lombardi, o autor), gente que o jornal não considerou suficientemente boa para fazer crítica de cinema, e se ressente disso. O ressentimento transparece no que escrevem, como se a gente tivesse culpa! Esses, em vez de crítica, fazem campanhas, contra ou a favor de determinado autor. Tem uma loura que até
inaugurou o gênero ‘crítica anônima’ para falar mal da minha novela. Quem pode respeitar alguém que não assina o que pensa? Eu não respeito. E quando a
coisa é pessoal, como neste caso, não dá para levar em conta, certo?”.

Popular é brega?
“Existe uma distorção cultural no Brasil que é rejeitar o popular, identificá-lo como falta de qualidade. Lembro que quando botava o Zeca Pagodinho na novela, muita gente torcia o nariz, achava brega. Hoje, o Zeca virou unanimidade, mas é sempre preciso que alguém que se apresente como chique ponha a etiqueta de qualidade para que a aceitação seja plena. Quando eu vim do Acre, adorava Luiz Gonzaga. Meus colegas morriam de rir, achavam breguíssimo. Depois que Caetano Veloso disse que ele era um gênio, passaram a idolatrá-lo”.

TV e cinema
“A TV, a novela brasileira, fizeram a crônica da vida brasileira, o que o cinema não fez. Se você pegar uma novela da década de 70, vai ver exatamente como era o Brasil naquela época. Já no cinema isso não acontece. Quem retrata o cotidiano da vida brasileira são as novelas. Num determinado momento, o cinema brasileiro, que não começou assim, tomou um rumo perigoso: os filmes tinham que ser todos geniais, tinham que defender teses. O cotidiano, o retrato dos sentimentos, o simples, o cinema-diversão, ficou de la-do, como algo alienante. Ultimamente, a coisa tem mudado. Que bom que seja assim!“.

‘Firangi estrangeira’
”Essa expressão ‘firangi estrangeira’ me soou engraçada. A tradução junto com a palavra ficou engraçada. Como eu iria explicar o tempo todo que ‘firangi’
significa ‘estrangeira’? É de propósito. Criticar isso é o que as nossas avós chamavam de procurar pelo em ovo”.

Sinopse original
“Agora é que vou começar a escrever a novela que não está na sinopse. A sinopse acaba no momento em que Bahuan (Márcio Garcia) volta para a Índia e fica entre casar com uma mulher milionária ou tentar reconquistar o amor de Maya (Juliana Paes). O meu jeito de escrever não é nada previsível. Não sou daquelas pessoas que sabem exatamente o que vai acontecer. Gosto muito de me surpreender, acabar um capítulo e eu mesma não saber como vou resolver aquilo, porque é um jogo comigo mesma, me diverto com tudo isso”.

Merchandising social
“Fiquei marcada pelo público por causa das campanhas sociais nas minhas novelas. Resolver o problema não é a nossa função, mas, sim, colocar em discussão, lançar luz, botar um holofote em cima do assunto. Se você faz um país inteiro discutir com quem vai ficar a mocinha, também pode fazer todo mundo discutir algo que mude a vida das pessoas. É isso que sempre busco nas minhas novelas”.

Yvone, a psicopata
“Quando criei Yvone (Letícia Sabatella), queria mostrar uma psicopata não assassina, porque essa personagem ninguém mostrou ainda. Os psicopatas estão aí. Como diz a Ana Beatriz Barbosa (autora do livro ‘Mentes perigosas’), o perigo mora ao lado. E costumam se dar muito bem, sempre, porque não têm limites, passam por cima de tudo e de todos para obterem o que querem. Eles estão sempre matando, não necessariamente as pessoas, mas os sonhos, os projetos, a confiança que se deposita neles. Matar só acontece se as pessoas constituírem uma pedra no caminho deles. Se não precisam, puxam o tapete”.

Yvone x Guilherme de Pádua
“Não pensei em Guilherme de Pádua quando criei a Yvone. Ele é um psicopata assassino, armou à mão da mulher, planejou, emboscou e assassinou minha filha porque não apareceu em dois capítulos e achou que estava saindo da novela. Só um psicopata faz isso e depois fala disso da maneira que um psicopata fala: com trivialidade. Para um psicopata, as outras pessoas são apenas um meio para conseguir um objetivo. Guilherme de Pádua e Paula Thomaz (hoje, Paula Nogueira Peixoto) mataram, deram pêsames à família e foram dormir tranquilamente. A polícia acordou os dois. São coisas que só psicopatas fazem, só alguém completamente desvinculado de sentimentos, de empatia com outro ser humano, é capaz de fazer”.

Livro sobre o caso Daniella
“Tenho um material muito grande que os jornalistas me deram ao falarem com o assassino na cadeia, com entrevistas que fizeram com os delegados que prenderam Guilherme, contando da prisão. Fiz um banco de dados que está começando ainda, e botei na internet, numa página associada ao meu blog. Ali está tudo reunido, por sequência. Desde a investigação até a sentença do juiz”.

Quimioterapia
“Já fiz três das seis sessões de quimio que eu preciso fazer. A ideia que eu tinha da quimio era muito negativa, de uma coisa assustadora, dolorosa... Mas é igual a ler uma bula de remédio. Quando você vê os efeitos colaterais do remédio, já se imagina sentindo todos eles. Não é bem assim. Comecei a conversar com muitas pessoas que passaram por esse processo sem grandes danos. Alguns tiveram enjoo, ou algum outro sintoma, outros não tiveram nada. Eu, até hoje, não tive nada. Claro que não se pode comparar meu caso com casos muito graves. Tive um linfoma que estava na tireoide, era primário, e foi inteiramente retirado. A quimio é preventiva”.

Vaidade
“Senti que as pessoas valorizam muito essa coisa da queda do cabelo, eu não valorizei. Tenho três perucas, de tons diferentes. Uma mais curta, uma média e uma longa, na qual faço rabo de cavalo e tudo. Não tem problema nenhum, o cabelo nasce de novo, assim que acabar a quimioterapia vai começar a nascer outra vez”.

Prazo de validade
“Não é que você passe a ver a vida de outra maneira, mas essas coisas sempre lembram que temos prazo de validade. Às vezes, a gente esquece disso e é bom ficar alerta. Sempre dei muito valor às pequenas coisas, mas passei a dar um pouco mais, a me preocupar com os que vêm depois de mim. Sempre convivi muito com essa ideia de que a gente tem prazo de validade, sempre”.

Morte
“Sempre percebi a morte de uma forma muito natural. Vim do interior, do Acre, então convivi intimamente com a natureza, e o ciclo da vida é muito presente e claro para mim. Mostra que tudo tem fim, que as coisas se renovam. É bonito que seja assim, a gente precisa sair para outros chegarem, assim como outros saíram para a gente chegar”.

O final da novela
“O final de ‘Caminhos’? Esperem por grandes emoções. Posso adiantar que Duda (Tania Khalill) não vai morrer de parto, como estão espalhando; a família de Opash (Tony Ramos) não vai ficar na miséria, nem Zeca (Duda Nagle) vai ficar paralítico! Imagina, também disseram que Raul (Alexandre Borges) vai matar Yvone. Isso não existe. As pessoas devem estar loucas para se livrarem dela. Credo, o pessoal gosta de ópera! E ainda faltam 32 capítulos para eu escrever”.

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