Yvone de ‘Caminho das Índias’: personagem ou caricatura?

Personagem de Letícia Sabatella em “Caminho das Índias”, Yvone é uma psicopata daquelas. Se enfiou na casa da melhor amiga, seduziu o marido dela e ainda promete fazer muito mais. A trama criada por Glória Perez, boa, pretende suscitar inúmeros debates. Quem já roubou o namorado da amiga ou soube de um caso parecido? Quem já foi vítima dessa situação? A ideia é que, como quase todo mundo se sente
tocado pelo assunto de alguma maneira, o público possa se conectar à novela também através desse tema.

Porém, neste caso, o desempenho de Letícia está comprometendo os objetivos: a personagem tem de ser verossímil, factível, de alguma maneira próxima da realidade. Mas, ao lançar mão de um tom de voz semiestridente, fazer caras e bocas e muitos trejeitos (o figurino infantilizado reforça tudo isso), Letícia suprimiu a densidade da vilã, fazendo dela uma vigarista de manual, óbvia demais, sem força.

Yvone, enfim, virou uma espécie de Betty Boop ardilosa. Para o público, que acaba de acompanhar a Flora de Patrícia Pillar em “A favorita”, a diferença entre as psicopatas é gritante e paradoxal. Yvonne é um tipo de vigarista muito mais presente na vida real, e, portanto, familiar ao grande público, mas o resultado da interpretação faz dela algo falso e meio impossível. Já a Flora era uma psicopata quase de pulp fiction, com momentos delirantes, totalmente longe do dia-a-dia das pessoas, mas, para o público, tudo, todas as maldades, pareciam possíveis. Foi Patrícia quem soube torná-la de carne e osso, com um pé na realidade, estudando os mínimos gestos, o olhar, totalmente entregue à vilã, acreditando na personagem. A Yvone de Letícia, com seus sorrisos, com seus olhos expressando satisfação a cada maldade, soa falsa, de
fantasia, o que bota o resultado em sério perigo.

Que Letícia é boa atriz, capaz de composições refinadas, ninguém duvida, e ela já provou isso em inúmeros trabalhos. Desta vez, há acertos a fazer. Yvonne, na ficção, de algum modo tem de parecer real.

POR PATRÍCIA KOGUT