sábado, 8 de novembro de 2008

Reportagem da Semana: Sim, ele pode


Barack Obama triunfou de forma espetacular nas urnas, fez História e agora tem pela frente o maior desafio de um presidente americano em 80 anos

Jason Reed
A GOTA D´ÁGUA
No último comício da campanha, Obama deixa cair uma lágrima ao falar de sua avó, morta de câncer um dia antes

Em abril de 1968, ocorreu uma grande manifestação de protesto em Washington, a capital americana. Inconformados com o assassinato de Martin Luther King Jr., milhares de jovens negros que viviam nos bairros pobres invadiram a região central, queimaram lojas, destruíram vidraças e, num ambiente de violência, medo e descontrole, enfrentaram a polícia, perseguiram e agrediram cidadãos comuns. Doze pessoas morreram, mil ficaram feridas, 6 mil foram presas. “Foi um inferno que ninguém consegue esquecer”, disse-me o comerciante Alvin Lann, de 80 anos, que meses atrás revisitou o cruzamento da Rua U com a 17, centro das brutalidades.

Quarenta anos depois, na noite de terça-feira passada, milhares de jovens – negros, brancos, hispânicos – ocuparam as ruas da capital dos Estados Unidos. Concentrados em frente à Casa Branca, gritavam palavras de ordem, xingavam George W. Bush, trocavam beijos cinematográficos. Ninguém foi preso, ninguém foi ferido. A manifestação atravessou a madrugada. Os rapazes cantavam nas esquinas, moças improvisavam passos de balé nos parques da cidade. Foi uma noite tão alegre, ordeira e pacífica que não se ouviu o ruído de um vidro quebrado. A polícia não agiu. Limitou-se a estacionar automóveis em pontos estratégicos – sirenes desligadas. Não era um protesto, era uma celebração, que se repetiu pelas principais cidades americanas na semana passada.

Na noite de terça-feira, o senador Barack Hussein Obama, que tinha 7 anos de idade quando Martin Luther King Jr. foi assassinado, recebeu 52% dos votos e tornou-se o primeiro presidente negro da história dos Estados Unidos. Conseguiu 43% dos votos dos eleitores brancos – porcentagem idêntica ao melhor desempenho do ex-presidente Bill Clinton nessa faixa específica do eleitorado e ligeiramente superior à de todos os demais candidatos do Partido Democrata, fora Jimmy Carter. Obama ainda conquistou eleitores em Estados que sempre foram fortalezas republicanas, como a Virgínia, sede da República Confederada, aquela aliança de oligarcas escravistas que fez uma guerra civil para defender o cativeiro, no século XIX.

Sob inspiração de Obama, o Partido Democrata ganhou um novo governo estadual, consolidou a maioria no Senado – por 56 votos a 44, sem contar três Estados com apurações mais demoradas – e reforçou a vantagem da Casa de Representantes, que agora é de 257 deputados contra 178. Em 20 de janeiro de 2009, Barack Obama entrará na Casa Branca para governar o país mais poderoso do planeta, que possui a maior economia e alimenta a cultura mais influente. “Obama é a liderança de que os Estados Unidos precisam”, diz Daryl Clay, contador numa igreja evangélica de Washington. Nos últimos dez meses, ele dedicou suas horas livres à máquina de 5 millhões de voluntários que ajudaram a carregar a candidatura de Barack Obama até a vitória – e, na terça-feira à noite, levou a mulher para se manifestar em frente à Casa Branca.

A vitória de terça-feira marcou um ponto sem retorno na evolução das relações sociais – num evento mais profundo e duradouro que o convívio entre brancos e negros. Mas o lugar e o futuro de Obama na história de seu país serão decididos por fatores que não dependem exclusivamente de sua vontade nem de sua capacidade de mobilizar a população americana com uma retórica original e eficiente. Ao trocar o figurino de candidato pelo de presidente, substituindo os símbolos eleitorais por realizações concretas, Obama vai enfrentar o mesmo pesadelo que derrubou as últimas esperanças de seu adversário, o republicano John McCain – o colapso de uma economia que enfrenta sua pior crise em três gerações.

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