quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Especial 'O ataque das superbactérias'- parte 4


"Uma nova geração de pragas resiste aos antibióticos até se tornar invencível. Por que todos nós estamos vulneráveis"

Daniel Wainstain
TECNOLOGIA
Schettino na nova UTI do Sírio-Libanês: os quartos têm isolamento e controle da pressão do ar para reduzir o risco de infecção

Denise coordena no Estado de São Paulo um sistema que, desde 2004, faz a vigilância das infecções ocorridas em hospitais. Em 2007, o sistema recebeu notificações de infecção enviadas por 593 instituições. Nem todos os hospitais do Estado precisam enviar dados de infecção – apenas os que realizam cirurgias, os que têm UTI (neonatal, pediátrica, adulto ou coronariana) e os hospitais psiquiátricos de longa permanência. No ano passado, foram notificados 13.322 casos de infecção de corrente sanguínea associada a cateter venoso central. É o tipo de infecção mais comum em pacientes graves que passam muito tempo na UTI. Os demais tipos de infecção hospitalar não foram computados. As bactérias mais comuns foram a Staphylococcus epidermidis (30%) e a Staphylococcus aureus resistente à oxacilina (16%), a temida bactéria conhecida como MRSA nos Estados Unidos. A existência de várias outras bactérias resistentes, entre elas a Klebsiella pneumoniae, foi notificada pelos hospitais paulistas.

Quando um paciente enfrenta uma grave infecção, o médico freqüentemente recorre à chamada terapia empírica. Ou seja: ele dá um antibiótico de amplo espectro (que pode funcionar contra vários tipos de bactérias) em vez de aguardar o resultado do exame de laboratório que vai apontar a cepa da bactéria que afeta o paciente. “O médico não tem bola de cristal e não pode esperar 48 horas sem medicar o paciente”, diz o infectologista Alexandre Rodrigues Marra, da UTI do Hospital Albert Einstein. “Essa prática, porém, acaba contribuindo para tornar as bactérias resistentes.”

A Staphylococcus aureus resistente a oxacilina (a MRSA) complicou o caso da estudante Paula Mossa de Souza Dias, de 25 anos. Em junho do ano passado, ela sofreu um grave acidente de carro em Assis, interior de São Paulo. Teve 18 fraturas, hemorragia interna e rompimento do diafragma. Os órgãos internos saíram do lugar e o baço foi esmagado. Paula foi atendida corretamente num hospital do SUS na cidade. Depois, foi transferida de helicóptero para o Sírio-Libanês, na capital. A tia de Paula, Maria Beatriz Souza Dias, é a responsável pela comissão de infecção hospitalar da instituição.

Paula ficou em coma induzido na UTI durante 22 dias. Como todo paciente grave, tinha várias portas de entrada para bactérias, como catéteres e sondas. Nem todo o conhecimento da tia impediu que Paula contraísse a MRSA. “Ela pegou a infecção no ambiente hospitalar, mas é difícil saber se foi no Sírio-Libanês ou em Assis”, diz Maria Beatriz. Apesar do vínculo afetivo com a sobrinha, a médica tentou agir com racionalidade. “Sabíamos exatamente qual antibiótico usar porque tínhamos feito um diagnóstico preciso da bactéria.” A moça foi tratada com dois antibióticos potentes: a vancomicina e a linezolida. “Lembro de estar acordando na UTI e ouvir meu pai dizer que eu tinha ganho na Mega Sena dez vezes”, diz Paula.

Nem sempre a infecção é causada por bactérias que circulam no ambiente, como ocorreu no caso de Paula. “Cerca de 80% dos casos de infecção hospitalar são causadas por bactérias endógenas”, diz Maria Beatriz. Tradução: as próprias bactérias que o paciente carrega podem fazê-lo adoecer no momento em que ele está com a imunidade debilitada.

Mas os hospitais têm obrigação de evitar os outros 20% dos casos. Neste mês será inaugurada a nova UTI do Sírio-Libanês, com 40 apartamentos totalmente individuais. Reduzir o risco de infecção hospitalar foi uma das principais preocupações do novo projeto. “Parece uma coisa boba, mas quando visitamos outras UTIs vemos poucas pias. Aqui teremos 70. O médico ‘tropeça’ na pia antes de tocar no paciente”, diz Guilherme Schettino, gerente-médico de pacientes críticos.

Lavar as mãos adequadamente é a medida mais eficaz. A nova UTI também contará com recursos sofisticados. No caso de infecções graves, o paciente será colocado num quarto de isolamento. Ele é equipado com um sistema que controla a pressão do ar e evita que as bactérias do ambiente viajem pelo restante da UTI.

A medida mais urgente que o Brasil precisa tomar para combater a infecção hospitalar é investigar o problema a fundo e falar abertamente sobre ele. Há duas semanas, uma proposta de transparência total foi discutida em Washington durante o congresso da Sociedade Americana de Doenças Infecciosas. Os especialistas pretendem chegar a um acordo para que todos os países informem publicamente seus índices de infecção hospitalar e a situação de resistência das bactérias aos antibióticos. Aí talvez os brasileiros conquistem o direito de conhecer a verdadeira dimensão do problema.

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