sábado, 15 de novembro de 2008

Entrevista da Semana: Selton Mello


“Ser diretor é um adorável risco”

O ator Selton Mello fala de Feliz Natal, seu trabalho de estréia como diretor, e da polêmica sobre a nudez no filme

 Reprodução

O ator Selton Mello construiu uma carreira invejável nos cinemas brasileiros. Estrelou produções marcantes, como O Cheiro do Ralo, Meu Nome Não é Johnny, Lavoura Arcaica e O Auto da Compadecida, além de várias séries e novelas na TV. Ele também interpretou Jean Charles, o brasileiro assassinado pela polícia de Londres em 2005, num longa de produção americana que tem estréia prevista para 2009. Mas, no momento, Selton Mello está mais empolgado com a sua nova carreira: a de diretor. Feliz Natal, que estréia no dia 20, é sobre uma problemática família de classe média que se encontra no feriado de fim de ano. A história começa quando Caio (Leornardo Medeiros), um ex-viciado em drogas e atual dono de um ferro-velho, chega à casa do irmão após anos sem ver a família. Selton dotou o filme de um estilo todo particular, com a câmera grudada no rosto dos atores e a linha narrativa bem fragmentada. Muito da história fica a cargo da interpretação do espectador.

O que mais se comentou na imprensa, no entanto, não foram as arriscadas escolhas estéticas de Selton Mello. Foi uma suposta bronca do ator Pedro Cardoso. No Festival de Cinema do Rio, no mês passado, Cardoso fez um discurso contra a nudez gratuita no cinema brasileiro. E comentou ser freqüente "esses cineastas de primeiro filme exibirem para seus amigos, em sessões privê, as cenas ousadas que conseguiram arrancar de determinada atriz". Não se citaram nomes, mas a suspeita logo recaiu sobre Selton Mello, já que a atriz Graziella Moretto (que interpreta a cunhada de Caio), namorada de Pedro Cardoso, aparece nua em uma cena de
Feliz Natal. A aparição é breve e nada pornográfica, mas o que teria motivado o protesto de Pedro Cardoso seriam as cenas cortadas."Como Pedro Cardoso não cita nomes, não sei sobre o quê ele está falando", disse Selton Mello em uma entrevista por e-mail. Leia mais abaixo.

Você disse em algumas entrevistas que a câmera colada na cara dos atores criava mais intimidade entre espectador e personagens. Como definiria esse estilo que você imprimiu ao filme Feliz Natal?
Selton Mello –
A proximidade dos atores leva o espectador a uma sensação de poder quase tocar aquelas cicatrizes. Aquelas dores se tornam palpáveis. Assim foi concebida essa pequena história passional e o público é espectador de toda a encenação natalina regada a peru, arroz com passas e batatas ao forno. E algum desconforto servido de sobremesa. A vida é dura, e o cinema tem a capacidade de mostrar isso de forma poética.

Você acha que, como diretor, está mais exposto à crítica que como ator? Fazer um filme autoral como o que você fez, com uma reflexão estética, é um risco?
Selton Mello
– Sim, mas é um adorável risco a ser corrido. Algo que coloca em perspectiva tudo o que se passa em sua vida e é uma oportunidade e tanto para se expressar de uma forma mais plena. Como disse Nelson Rodrigues, "sem alma em jogo não se chupa nem um chicabom". É preciso tratar os riscos com doçura. Trata-se de um filme em que os silêncios, as coisas não-ditas, são apresentados no aguardo de um olhar agudo de quem assiste. Nos dias de hoje, em que as coisas já são servidas pensadas previamente, é um risco, sim, mas como não se aventurar a esses doces riscos?

O fato de o protagonista Caio ser dono de um ferro-velho é enfatizado no filme. Por que essa imagem é tão importante?
Selton Mello
– Como Caio foi agente ativo de um acidente de carro, é bem sugestivo e surpreendente o fato de ele cuidar de um ferro-velho. É como se a cada martelada ele tentasse consertar um passado de concreto. E muito me agrada também a idéia de pensar a família disfuncional como um cemitério de automóveis... Peças soltas, carcaças sem serventia.

Por que escolheu como tema uma família de classe média?
Selton Mello
– Não foi algo premeditado, mas penso que foi uma curiosa contribuição ao nosso cinema, que geralmente escolhe olhar para um lado mais miserável da sociedade. E o interessante é que essa miséria pessoal definitivamente não depende de classe social. Todos temos nossas lacunas e a classe média, se é que ela ainda existe, é pródiga em frustrações.

Você acredita que, por ter uma grande experiência como ator, tem alguma habilidade especial na direção? Consegue trabalhar com uma cumplicidade maior por parte dos atores, por exemplo?
Selton Mello –
O prazer de destrinchar esse roteiro com meu elenco foi algo mágico. O fato de eu também ser um ator possivelmente fornecia mais segurança aos atores. Trabalhamos com muita delicadeza para nos aproximar de uma atmosfera densa e ambígua. Apenas com essa tranqüilidade no set de filmagens foi possível um mergulho tão vertical.

Como diretor estreante, você sentiu alguma limitação? Qual foi a etapa mais complicada da criação e da filmagem de Feliz Natal?
Selton Mello – Colocar em um papel a cartografia trágica dessa família foi a parte mais complexa. Difícil exprimir em um roteiro o que estava passando em minha cabeça e no meu coração. Escrever foi a parte mais desafiadora para mim e também para meu roteirista, Marcelo Vindicatto. Inteligência, sensibilidade e coragem, eram o que eu precisava ver a meu redor. Assim, de mãos dadas com minha equipe e elenco, consegui levar para a tela um filme simples, brutal e imperfeito, como a vida.

Você tem em mente mais algum projeto de direção? Qual?
Selton Mello
– Sinceramente, o que tenho como meta nos próximos tempos é cuidar da minha saúde e do meu espírito. Não tenho nada em vista nos próximos meses que não seja meu bem-estar. Então, depois desse período de molho vinagrete, poderei apresentar algo com vigor ao público. Penso em um futuro próximo adaptar o conto O Alienista, de Machado de Assis, para o cinema. Tenho um fascínio por essa fábula que discute os limites da razão e da insânia. Mas por enquanto só penso em tomar sol, dormir, ler, ver filmes e outras coisas aprazíveis.

Houve uma série de fofocas publicadas na imprensa de que as cenas de nudez de Graziella Moretto que não aparecem no filme foram mostradas a amigos seus – e isso teria motivado um protesto por parte do ator Pedro Cardoso. Isso tem algum fundamento?
Selton Mello –
Durante as filmagens de Feliz Natal fizemos algumas sessões, para a equipe, de trechos do filme, que ainda estava inacabado, em processo de montagem. A idéia era trocar internamente impressões sobre o que estávamos fazendo. Este é um método de trabalho que realimenta o set de filmagem, isto é, vendo o que está sendo feito, vamos depurando a realização em busca de um resultado sempre melhor, prática que sempre existiu em cinema. Não fui o primeiro diretor e nem serei o último a usar este método de trabalho. O filme pronto não é o filme que foi escrito e nem o filme que foi filmado, ele é uma terceira coisa que foi se encorpando com o trabalho diário. Muitas vezes cenas mudam de lugar ou até mesmo são suprimidas. É assim o processo, do rascunho ao filme pronto. A respeito do ator Pedro Cardoso, como ele não cita nomes e exemplos concretos, não sei sobre o quê e nem sobre quem ele está falando.

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